“Eu vou para a baliza”, gritava eu para os meus companheiros de rua! O campo já estava reconhecido por todos os jogadores: quatro pedras dispostas em quadrado que desenhavam as linhas invisíveis do terreno de jogo, mais duas pedras separadas por cinco passos dos nossos que eram nada mais do que as balizas.
Cada jogador escolhia o seu pseudónimo para aquela partida. A regra era escolher o nome do ídolo de cada um, e quando o nome já tinha sido escolhido por outro companheiro, havia que percorrer os nossos “favourites” até encontrarmos um craque cujo nome nos enchesse de orgulho. Eu escolhia sempre o mesmo: Baía. Cada duelo com os rivais da vizinhança era a oportunidade ideal para pôr em prática todo o trabalho prévio de observação dos comportamentos do meu ídolo. Tudo tinha de ser igual: a eficácia, os tiques, as superstições, os gestos, os comportamentos, os festejos…
O tempo foi passando, e à semelhança do meu ídolo, fui também envelhecendo. Lembro-me de pensar que era impensável deixar de o ver jogar. Mas o tempo é insensível a vontades ou desejos, mesmo os partilhados pelas mais inocentes crianças. O tempo passou, e o dia de hoje acabou mesmo por chegar. O meu herói decidiu descalçar as luvas para sempre. Ao ouvir estas palavras fui invadido pela mesma desilusão que me abarcava sempre que a bola do nosso desafio de rua era pontapeada para o quintal de um qualquer vizinho com muros impenetráveis, culminando numa abrupta ida para as cabines. Baía disse mesmo adeus ao futebol! Deixa, no entanto, uma marca indelével na história do futebol mundial. Tantas conquistas, tantas defesas grandiosas, tantas vitórias pessoais. Guardo na memória cada uma delas como se parte da minha vida se tratasse. Sevilha, Geselkirchen, Tokyo, Paris, Barcelona, Porto, Lisboa foram alguns dos locais que viram brilhar o maior guarda-redes português de todos os tempos. Brilhante à flor da relva, humilde no dia-a-dia, simplesmente Baía.